13/03/10

Animação... a propósito de Teatro...

O ano do pensamento mágico – Eunice Muñoz, representa a peça de Joan Didion encenação de Diogo Morgado

Todos os momentos são bons para o pensamento e se quisesse apontar uma situação em que me posso sentir feliz esse momento é o do pensamento e o da escrita e não sou a única… muitos são aqueles que prezam os momentos de silêncio, reflexão, especulação, de encontro com as palavras.
No passado sábado, pelas vinte e uma e trinta, a sala do Teatro José Lúcio da Silva encheu-se, as luzes, no palco um cadeirão austero, uma mesinha redonda, uma garrafa de água. Pelo sistema de som uma voz informa que deverão ser desligados os telemóveis; apagam-se as luzes; faz-se silêncio; o cenário movimenta-se num jogo de luzes e num entrecruzar de ramos, espinhos, elos, pré anuncia densidade, introspecção, interioridade.
Sentada no cadeirão, uma mulher de porte altivo mas sofrido, irrompe no silêncio interpelando-nos dizendo que o que nos vai contar, já terá sido talvez vivenciado por alguns, outros poderão ainda vir a sofrer a mesma experiência, mas que ainda assim insiste e continua, como que a desabafar, a conversar com amigos muito próximos ou simplesmente a pensar em voz alta. A narrativa vai começar…!
Conta que chegava com o marido John ao apartamento em Manhattan, Nova York, decididos a jantar em casa, conversam…, ela acende a lareira, de repente faz-se silêncio, pende-lhe a cabeça, ela ainda o interpela, para se deixar de brincadeiras…, ele cai inanimado, é levado para o hospital, um hospital perto de casa mas do qual não são clientes.
Adensam-se os cenários, a escuridão o silêncio das palavras que bailam no pensamento, emoções, racionalização, acidente vascular, infecção generalizada, …explicações médicas científicas…, não vai tudo correr bem, se pensar correcta e logicamente tudo vai voltar a estar bem e além disso, como quando eras pequena… eu vou estar sempre aqui, … sempre! Dissera-lhe.
Enquanto espera na fila para tratar de burocracias é abordada pelo assistente social, que a conduz a uma sala e a informa da situação do marido. Atordoada volta a casa estranhamente vazia e silenciosa… o casaco de John ainda na cadeira, o sangue no chão, o telefone toca, uma amiga que a sabe sozinha neste momento, vem ter com ela, conversam…lembra a filha Quintana que visitara à tarde… em coma desde o dia a seguir ao Natal, com uma infecção generalizada depois de uma gripe. Reflexões sobre termos médicos, lembranças da filha pequena, da casa em Malibu com vista para o mar e para o cabo onde não tornaram a nadar depois do nascimento da Quintana… aquele mar em que era preciso apanhar a onda certa, ela tinha medo… John dissera que era preciso apanhar a onda certa e deixar-se levar por ela…! Fora isso que ele dissera!
Amo-te… Foram as palavras da filha Quintana, no funeral do pai, vestida de preto, depois de ler o poema que lhe escrevera. Tinha saído do hospital, casara meses antes, iria para Malibu para se restabelecer, voltava ao espaço da sua infância para se restabelecer.
Tinha o carácter do pai, sentia-lhe a falta, ia agora juntar-se-lhe, ela dizia apenas “não tenhas medo eu vou estar sempre aqui para ti!” … fez-me lembrar uma outra peça em que a personagem perguntava: “mãe, mãe, estás aí…?
Os cenários mudam abertura, azul, o peso do seu significado, o peso das palavras, do pensamento, a imaginação voa…
De pé a mulher de porte altivo mas sofrido, continua a conversar connosco… a pensar em voz alta, os momentos do filme sucedem-se, atrás… à frente… passado, presente e o futuro, inexorável, determinístico, a esbater as cores, a vida a seguir como a água no cabo, sempre a fluir a esfumar-se, a memória, as memórias… ele dissera um dia é preciso apanhar a onda certa e deixar-se levar por ela! Cristina Oliveira

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