03/05/10

Essências de Sentir

Tenho para mim que a memória tem tendência a registar de modo indelével aquilo que emocionalmente nos perturba: ou porque nos agrada sobremaneira ou, inversamente, porque de algum modo nos incomoda.
Os factos ou acontecimentos que consideramos anódinos, frívolos, banais, tornam-se apenas registos provisórios que, por não suscitarem emoções dignas de registo, rapidamente se desvanecem.
Na minha perspectiva, a memória recorre a um mecanismo próprio de "guardar só o que é bom de guardar", accionado e condicionado, talvez, pelos sinais enviados pelas emoções de cada um, podendo o "bom" ser entendido de duas maneiras distintas: bom, porque nos suscita sensações agradáveis, ou bom, porque poderá ser conveniente guardar, mesmo que essa memória pouco ou nada tenha de agradável.
E assim aconteceria com as muitas vivências que já tivemos, e que vamos tendo, sempre reguladas pelas emoções que a memória de cada um de nós privilegia.
Parece-me, portanto, possível que a memória de emoções feita – ou a ausência dela – condicione também os gestos e as palavras, de afecto ou de recusa, que cada um de nós exprime ou, simplesmente, acaba por calar.
Momentos há em que os gestos e as palavras que inventamos se quedam no espaço do indizível. Por receio de assistirmos à sua recusa? Por adivinharmos no outro a incapacidade de os receber? Por acharmos não ser esse o momento mais propício à oferta?
Será que por vezes calamos os gestos e as palavras para que não se sobreponham a outros gestos e palavras que preservamos na memória e não suportaríamos ver alterados?
Sei que há gestos e palavras que, ansiosamente, antecipamos e que nunca nos serão ofertados. Será por isso que preferimos calar os nossos, afundando no silêncio as mágoas, frustrações ou invejas?
Que emoções nos devolve a memória no instante em que cerramos os punhos e assistimos, quedos e mudos, ao naufrágio dos gestos e palavras que inventámos?

G.Rocha

1 comentário:

  1. Obrigada por este texto tão bem escrito. Por vezes, esquecemo-nos que não devemos calar... O que são os nossos Dias sem emoções, sem palavras? Dias sem Vida.

    ResponderEliminar