12/04/10

Memorial do Convento


Romance de José Saramago publicado em 1982. A acção de Memorial do Convento desenvolve-se no reinado de D. João V, incidindo sobre o período de construção do Convento de Mafra, como indicia o título.
O período em questão surge caracterizado através de personagens históricas, como sejam aquelas da família real, mas também através de atmosferas marcadas por fenómenos populares do tempo, como os famosos autos-de-fé, as procissões e as touradas. A partir destas coordenadas se apresenta, por um lado, o mundo artificial e de ostentação da realeza, por outro, um ambiente estratificado de ignorância e superstição, evidentes no Portugal da primeira metade do século XVIII.
É com figuras nobres que Memorial do Convento começa. No entanto, contrariando as expectativas dos leitores, o narrador parece encarar com alguma ironia a sua (ausência de) densidade psicológica, facto que é tanto mais chocante quanto se trata do rei e da rainha. Surpreendentemente, é no meio da multidão, tradicionalmente anónima, que sobressaem, ambos elementos do povo, Blimunda Sete-Luas, a mulher que vê o interior das pessoas se estiver em jejum e Baltasar Sete-Sóis, aquele que perdeu uma mão na guerra, e Bartolomeu de Gusmão, o padre "voador", nos quais assentará a espinha dorsal da acção.
Esta joga-se, por um lado, na edificação do referido Convento ("por um voto que o rei fez se lhe nascesse um filho") e as vidas e fundos que compromete, e, por outro, na construção paralela da Passarola Voadora.
Enquanto o Convento representa o sacrifício da colectividade humana vergada a uma vontade individual, a Passarola Voadora, construída por Baltasar a partir dos planos de Bartolomeu de Gusmão, e voando graças às vontades humanas contidas nas suas esferas, que Blimunda captara nos corpos das pessoas, simboliza de algum modo a condição angélica do Homem, ou, mais do que isso, a revelação da condição humana como condição divina: "Deus estava fora do homem e não podia estar nele, depois, pelo sacramento passou a estar nele, assim o homem é quase Deus, ou será afinal o próprio Deus, sim, sim, se em mim está Deus, eu sou Deus, sou-o de modo não trino ou quádruplo, mas uno, uno com Deus". É esta revelação "sacrílega" que enlouquece Bartolomeu, levando-o a tentar queimar a Passarola Voadora depois de, temendo o Santo Ofício, ter nela fugido, com Baltasar e Blimunda.
Depois da aventura da Passarola, Baltasar trabalhará ainda no Convento, esse monumento cuja massa monstruosamente inumana vai ascendendo.
Para o final, a Passarola Voadora desaparece e com ela Baltasar Sete-Sóis. Blimunda durante nove anos procura-o incansavelmente... encontra-o... numa fogueira num auto-de-fé. Mas... a vontade de Baltasar não sobe ao céu, é recolhida por Blimunda, já que a ela lhe pertencia!
Nesta fantástica história, José Saramago reescreve as convenções históricas, religiosas e literárias da nossa cultura, mostrando, como salienta Eduardo Lourenço, que, à semelhança da Passarola, "o fim de toda a ficção é voar, elevar-se sobrevoando, não céus inexistentes nem realidades mágicas, mas descolar da sua própria realidade humana, pesada, obscura, opaca, para ver melhor ou de outra maneira”.


Fátima Lucas

3 comentários:

  1. este ano na escola vou dar esta obra e espero gostar :)

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  2. Que grande obra esta! Acredita caro "Anónimo" vais gostar...especialmente se quem te ensinar for a prof. Fátima Lucas.
    Grande professora a melhor que tive durante toda a minha vida escolar.

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