20/12/10

Antes que eles cresçam...

Há um período em que os pais começam a ficar órfãos dos seus próprios filhos. Acontece que as crianças crescem independentes da nossa vontade, como árvores tagarelas e pássaros estonteantes. Crescem diante dos nossos olhos sem pedir licença à vida. Crescem com uma esperteza alegre e, às vezes com apregoada arrogância. Mas não crescem todos os dias, de forma igual, crescem de repente. Um dia sentam-se perto de nós no sofá e dizem uma frase com tal “estofo” que nós sentimos que não já não podemos trocar as fraldas daquela criatura. Onde é que andou a crescer aquela "malandrinha" que eu não percebi? Onde estão as roupas de bebé, as bonecas, as festas de aniversário com palhaços e chocolate nas paredes? As crianças crescem num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E nós estamos agora ali, na porta da festa, à espera que ela não apenas cresça, mas apareça... E ali estão muitos outros pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com as roupas, falas e gestos da sua geração. Estes são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos tempestades, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas. E eles crescem mais ou menos amestrados, observando e aprendendo com os nossos acertos e principalmente com os nossos erros. E ainda com os erros que esperamos que não se repitam. Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos. Um dia já não os iremos buscar às portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do futebol…
Saíram do banco de trás e passaram para o volante das suas próprias vidas. Talvez deveríamos ter ido mais vezes à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância. Talvez deveríamos ter prestado mais atenção ao nosso adolescente e àquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e música ensurdecedora ou totalmente melancólica, sinal de paixões intensas e eternas.
Talvez não os levamos vezes suficientes ao Oceanário, ao Jardim Zoológico, à praia, ao centro comercial, não lhes demos hamburgueses e refrigerantes suficientes, não lhes compramos todos os gelados, roupas e brinquedos que gostaríamos de ter comprado… E, eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afecto. Sem que esgotássemos todos os nossos beijos, apertões e abracitos, que agora reservam para outros… No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, Natais, Páscoas, piscinas e amiguinhos. Claro, havia sempre brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de pastilhas, o eterno “falta muito”, paragens e idas à casa de banho e cantorias sem fim. Depois veio o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a os amigos e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestinhas". É o momento em que só nos resta ficar a observar de longe, apoiando, como uma âncora e observando com atenção. Velando para que acertem nas escolhas que fazem na procura da felicidade que a conquistem do modo mais completo possível. Bem, talvez seja bom esperar…A qualquer momento podem dar-nos netos. Um neto significa a hora do carinho ocioso não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer connosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afecto. Talvez por isso seja necessário fazer alguma coisa a mais…Antes que eles cresçam... Sandra Monteiro

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