02/07/10

Obrigada Saramago



Não consigo ficar indiferente e admito alguma tristeza pela recente perda do grande escritor, José Saramago.
Não pretendo falar do homem, das suas escolhas e dos seus ideais, pretendo recordar um escritor que considero um excelente contador estórias, um excelente contador de ideias.
A minha primeira experiência com a leitura de Saramago não foi feliz, confesso! Há já bastantes anos (como o tempo passa… Saramago ainda não tinha ganho o prémio Nobel, e isso já foi em 1998…) foi-me oferecido o “Memorial do Convento”. Já andava curiosa para ler e conhecer este autor, que verificava que tanto era amado como odiado pela crítica literária. Na altura, estudante de Línguas e Literaturas Modernas, auscultava as opiniões, principalmente daqueles de quem viria a ser colega, os professores de Português. E poucos eram os que apreciavam o escritor; penso que não o dissociavam da figura humana e polémica, e naturalmente da sua escrita diferente e controversa àquilo que é considerado a correcção na expressão escrita.
Li o livro! Ou melhor, tentei lê-lo e não consegui! Foi o primeiro livro que abandonei (não conseguia mesmo ler, não conseguia entender a excepcionalidade das estórias que se contavam), possivelmente influenciada pela opinião dos outros.
Até que há meia dúzia de anos, lendo um artigo de José Saramago sobre as suas obras e a sua escrita, este referia: “Quando falamos, não usamos pontuação; o escritor confia que o seu leitor o leia como se o ouvisse falar, como se estivesse a falar. (…) Cada frase ou discurso, ou o período, cria-se dentro de mim mais como uma fala do que uma escrita. A possibilidade da espontaneidade, a possibilidade do discurso em linha recta, enfim, a direito, é muito maior do que se eu me colocasse na posição de quem escreve. No fundo, ao escrever estou colocado na posição de quem fala”.
Assim tentei ler; não procurando as regras básicas da produção escrita, mas deixando-me levar pela(s) estória(s), como se o ouvisse… E deliciei-me!
O primeiro livro que abandonei, tornou-se seguramente num dos meus livros preferidos!
Gosto alcançado, seguiram-se outros do autor e, continuo a gostar! Acho Saramago excepcional na forma como relata, como descreve as situações que apresenta, na ironia subtil (?) e eficaz, nas ilações que tira das estórias e da história, nas abordagens que faz à vida e à condição do ser humano.
Ao prazer de O ler, juntou-se um outro: o prazer de O leccionar. Inicialmente os alunos mostram-se algo ansiosos e inquietos, manifestando alguma resistência ao estranho modo de escrita que lhes é apresentado, ao estilo do autor, mas, e julgo não me enganar, acabam por se render e tal como eu, deixam-se levar contagiados no(s) enredo(s) que vão descobrindo; participam na construção de um Convento, o de Mafra, e voam com Bartolomeu, Baltasar e Blimunda na Passarola Voadora.
Encontrei há poucos dias um aluno do 3º ano que me fez o seguinte comentário: “ Já viu Stora, tive o privilégio de ter estudado Saramago estando ele ainda vivo!” Não nego que fiquei surpreendida pelo aluno que era e, encantada com a sua sensibilidade e reconhecimento!
Acredito firmemente que não são só o Figo, o Mourinho e o Ronaldo que nos projectam no mundo: acredito mais e de uma forma não tão efémera que são Camões, Pessoa e Saramago!

Fátima Lucas

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