Romance de José Saramago publicado em 1982. A acção de Memorial do Convento desenvolve-se no reinado de D. João V, incidindo sobre o período de construção do Convento de Mafra, como indicia o título.
O período em questão surge caracterizado através de personagens históricas, como sejam aquelas da família real, mas também através de atmosferas marcadas por fenómenos populares do tempo, como os famosos autos-de-fé, as procissões e as touradas. A partir destas coordenadas se apresenta, por um lado, o mundo artificial e de ostentação da realeza, por outro, um ambiente estratificado de ignorância e superstição, evidentes no Portugal da primeira metade do século XVIII.
É com figuras nobres que Memorial do Convento começa. No entanto, contrariando as expectativas dos leitores, o narrador parece encarar com alguma ironia a sua (ausência de) densidade psicológica, facto que é tanto mais chocante quanto se trata do rei e da rainha. Surpreendentemente, é no meio da multidão, tradicionalmente anónima, que sobressaem, ambos elementos do povo, Blimunda Sete-Luas, a mulher que vê o interior das pessoas se estiver em jejum e Baltasar Sete-Sóis, aquele que perdeu uma mão na guerra, e Bartolomeu de Gusmão, o padre "voador", nos quais assentará a espinha dorsal da acção.
Esta joga-se, por um lado, na edificação do referido Convento ("por um voto que o rei fez se lhe nascesse um filho") e as vidas e fundos que compromete, e, por outro, na construção paralela da Passarola Voadora.
Enquanto o Convento representa o sacrifício da colectividade humana vergada a uma vontade individual, a Passarola Voadora, construída por Baltasar a partir dos planos de Bartolomeu de Gusmão, e voando graças às vontades humanas contidas nas suas esferas, que Blimunda captara nos corpos das pessoas, simboliza de algum modo a condição angélica do Homem, ou, mais do que isso, a revelação da condição humana como condição divina: "Deus estava fora do homem e não podia estar nele, depois, pelo sacramento passou a estar nele, assim o homem é quase Deus, ou será afinal o próprio Deus, sim, sim, se em mim está Deus, eu sou Deus, sou-o de modo não trino ou quádruplo, mas uno, uno com Deus". É esta revelação "sacrílega" que enlouquece Bartolomeu, levando-o a tentar queimar a Passarola Voadora depois de, temendo o Santo Ofício, ter nela fugido, com Baltasar e Blimunda.
Depois da aventura da Passarola, Baltasar trabalhará ainda no Convento, esse monumento cuja massa monstruosamente inumana vai ascendendo.
Para o final, a Passarola Voadora desaparece e com ela Baltasar Sete-Sóis. Blimunda durante nove anos procura-o incansavelmente... encontra-o... numa fogueira num auto-de-fé. Mas... a vontade de Baltasar não sobe ao céu, é recolhida por Blimunda, já que a ela lhe pertencia!
Nesta fantástica história, José Saramago reescreve as convenções históricas, religiosas e literárias da nossa cultura, mostrando, como salienta Eduardo Lourenço, que, à semelhança da Passarola, "o fim de toda a ficção é voar, elevar-se sobrevoando, não céus inexistentes nem realidades mágicas, mas descolar da sua própria realidade humana, pesada, obscura, opaca, para ver melhor ou de outra maneira”.
Fátima Lucas
O período em questão surge caracterizado através de personagens históricas, como sejam aquelas da família real, mas também através de atmosferas marcadas por fenómenos populares do tempo, como os famosos autos-de-fé, as procissões e as touradas. A partir destas coordenadas se apresenta, por um lado, o mundo artificial e de ostentação da realeza, por outro, um ambiente estratificado de ignorância e superstição, evidentes no Portugal da primeira metade do século XVIII.
É com figuras nobres que Memorial do Convento começa. No entanto, contrariando as expectativas dos leitores, o narrador parece encarar com alguma ironia a sua (ausência de) densidade psicológica, facto que é tanto mais chocante quanto se trata do rei e da rainha. Surpreendentemente, é no meio da multidão, tradicionalmente anónima, que sobressaem, ambos elementos do povo, Blimunda Sete-Luas, a mulher que vê o interior das pessoas se estiver em jejum e Baltasar Sete-Sóis, aquele que perdeu uma mão na guerra, e Bartolomeu de Gusmão, o padre "voador", nos quais assentará a espinha dorsal da acção.
Esta joga-se, por um lado, na edificação do referido Convento ("por um voto que o rei fez se lhe nascesse um filho") e as vidas e fundos que compromete, e, por outro, na construção paralela da Passarola Voadora.
Enquanto o Convento representa o sacrifício da colectividade humana vergada a uma vontade individual, a Passarola Voadora, construída por Baltasar a partir dos planos de Bartolomeu de Gusmão, e voando graças às vontades humanas contidas nas suas esferas, que Blimunda captara nos corpos das pessoas, simboliza de algum modo a condição angélica do Homem, ou, mais do que isso, a revelação da condição humana como condição divina: "Deus estava fora do homem e não podia estar nele, depois, pelo sacramento passou a estar nele, assim o homem é quase Deus, ou será afinal o próprio Deus, sim, sim, se em mim está Deus, eu sou Deus, sou-o de modo não trino ou quádruplo, mas uno, uno com Deus". É esta revelação "sacrílega" que enlouquece Bartolomeu, levando-o a tentar queimar a Passarola Voadora depois de, temendo o Santo Ofício, ter nela fugido, com Baltasar e Blimunda.
Depois da aventura da Passarola, Baltasar trabalhará ainda no Convento, esse monumento cuja massa monstruosamente inumana vai ascendendo.
Para o final, a Passarola Voadora desaparece e com ela Baltasar Sete-Sóis. Blimunda durante nove anos procura-o incansavelmente... encontra-o... numa fogueira num auto-de-fé. Mas... a vontade de Baltasar não sobe ao céu, é recolhida por Blimunda, já que a ela lhe pertencia!
Nesta fantástica história, José Saramago reescreve as convenções históricas, religiosas e literárias da nossa cultura, mostrando, como salienta Eduardo Lourenço, que, à semelhança da Passarola, "o fim de toda a ficção é voar, elevar-se sobrevoando, não céus inexistentes nem realidades mágicas, mas descolar da sua própria realidade humana, pesada, obscura, opaca, para ver melhor ou de outra maneira”.
Fátima Lucas
Grande obra!
ResponderEliminareste ano na escola vou dar esta obra e espero gostar :)
ResponderEliminarQue grande obra esta! Acredita caro "Anónimo" vais gostar...especialmente se quem te ensinar for a prof. Fátima Lucas.
ResponderEliminarGrande professora a melhor que tive durante toda a minha vida escolar.