19/02/11

Uma relação que nunca acaba…



Lembro-me de ser criança e ter sonhos, sonhos que agora penso serem ridículos, mas que naquela altura eram os meus sonhos, era aquilo que eu queria. Lembro-me de rir, de brincar a apanhada e de ler, lembro-me de jogar à bola e saltar à corda, de comer gelados, de ter um cão e uma família extraordinária…


É verdade, não há nada que equilibre mais e que desequilibre tanto como uma relação, porque não nos deixa espaço para adormecermos nela, no sentido de deixarmos de pensar nela. Um filho é algo semelhante a um rio que atravessa o leito dos pais e pode ser vivido como uma ponte ou como um muro. Assim sendo, todas as expressões no contexto familiar têm um valor significativo que pode influenciar todas as fragilidades e sobressaltos das relações entre pais e filhos.
A mentira…
Mentirinha dos filhos: “Não fui eu” - É o grande clássico. Não, não fui eu! Não fui eu que parti o vidro, que comecei a briga, que roubei o carrinho ao Tiago, que comi a tarte de maçã inteirinha, que devorei a tigela de mousse, que entornei o pacote de leite! Não fui eu, gritamos cada vez mais alto e com caída vez mais fúria, e batemos o pé, transtornados com a injustiça do universo, e às tantas até já nós acreditamos que não fomos nós. O problema é mesmo esse: é que só nós é que acreditamos. Como todas os pais sabem, quanto mais se proclama a nossa inocência, mais culpados parecemos. Às vezes não fomos mesmo nós, mas aí já ninguém acredita….
Mentirinha dos pais: “Quando viermos para baixo” – Ai, lembram-se? Bastava apontar com o dedito para uma montra qualquer, que a resposta era sempre a mesma: "Sim querida compro-te isso quando viermos para baixo." Claro que nunca vínhamos “para baixo”, não é? Ou vínhamos, por outro caminho… Ou a loja já estava fechada,"Olha que pena!". Ou estávamos a dormir, ou já não nos lembrávamos. A verdade é que funcionava sempre….

Pois… Nem sempre os pais são, na relação com os filhos, bem-educados. Os pais fazem asneiras, birrinhas, “amuam”, são teimosos mas…. São pais e, de uma forma mais ou menos equilibrada, vivem a culpabilidade por cada um dos seus actos, de uma forma silenciosa… (principalmente porque “pai é pai”) e os pais nunca se enganam!
Claro que as asneiras dos filhos têm muito a ver com as asneiras dos pais mas…sinceramente, os pais perfeitos são aqueles que são “suficientes maus”, ou seja, são os que têm a coragem de ser de ser como são, e essa coragem supões que toleram a culpabilidade e a dor que ela desperta.
É bom que as crianças roubem aos pais – porque não roubam “coisas”…As crianças só roubam a atenção dos pais sempre que estes não estejam disponíveis para lha dar. Quando eles, talvez reparando na sua culpabilidade, lhes dão brinquedos para suprir a ausência de um ou de ambos os pais, não compensa da atenção que lhes roubaram, mas fazem-nos sentirem-se abandonados.
É bom que as crianças desmanchem as coisas – para as arrumarem a seguir. As crianças “arrumadas”, ao contrário das crianças com a vista na ponta dos dedos, são como as casas que nunca se desarrumam: parecem desabitadas. Crescer talvez signifique arrumar algumas coisas mas também viver com as nossas pequenas desarrumações. Viver é montar e desmanchar ideias para as montar a seguir, de modo diferente, aprendendo a brincar e a pensar, daí é bom que as crianças desmontam os brinquedos para “lhes verem as tripas”.

É bom quando as crianças não dormem de noite – ter medo de adormecer é uma forma de dizer aos pais que façam melhor o papel de “anjos da guarda” do sono, porque dormir, é “poder fechar os olhos (ao colo dos pais) e deixar que eles tomem conta dos sonhos) ”. Somos pais prontos a dizer, perante a angústia dos nossos filhos, “não tenhas medo, eu estou aqui”, e poderíamos acrescentar: “ Eu estou aqui, guardo-te dos teus papões mas tenho medo dos meus e, como tu, fecho os olhos para eles e faço de conta que, não os vendo, eles não me vêem”
É…Haverá bons e maus pais. Maus por não tolerarem a desilusão de não serem perfeitos, bons por terem a coragem de assumir que são falíveis mas que brincam com os filhos, crescendo com eles e ensinando-os a pensar por si próprios.

“Entre pais e filhos não há maior abismo que o silêncio” Rosemblat

Baseado na obra de Eduardo Sá
“Más maneiras de sermos bons Pais”
Sandra Monteiro

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